Em abril desse ano, um anúncio publicitário do Banco do Brasil foi vetado pelo Governo Federal, sócio majoritário da empresa que funciona como economia mista. O VT produzido para uma de suas tradicionais campanhas institucionais, que tem exatos 31 segundos e é marcado pela diversidade, parece ter desagradado a alta cúpula do governo.
Nos dias de auge da polêmica, correu pela mídia a notícia de que o presidente teria se encarregado pessoalmente da proibição taxativa de sua veiculação, que já estava em andamento, ordenando, ainda, que a partir daquele momento todas as peças publicitárias de empresas ligadas ao governo passassem pela aprovação da Secretaria de Comunicação Social (Secom), fosse a campanha institucional ou mercadológica, ANTES de serem veiculadas. Algo que foi revisto pouco depois, segundo informa matéria publicada no site da revista Meio & Mensagem.
O candidato que foi eleito a partir de um discurso fortemente “anti-ideológico” sedimentou, então, uma avaliação eminentemente ideológica para aprovar ou não o que seria promovido pelas empresas ao seu alcance, incorrendo em uma ilegalidade por ferir a chamada Lei das Estatais. O fato gerou um imenso desconforto, ocasionando, inclusive, a demissão do diretor de marketing da instituição, Delano Valentim.
Na intenção de não propagar o que, em sua interpretação, seria uma “propaganda ideológica”, o que de fato fez foi impulsionar o vídeo, que não traz nada de excepcional, diga-se de passagem. Desde então, o material publicitário que, em outras circunstâncias talvez nem chamasse tanta atenção, passou a ser tratado como um símbolo de resistência e representatividade por todos os cantos da internet. A contragosto, o governo não somente impulsionou o comercial como também se alçou ao posto de principal garoto-propaganda da campanha.
O VT não traz nada de extravagante ou fora do comum. Mostra pessoas diversas, em sua maioria jovens, que provavelmente seria o recorte a ser alcançado pela produção. Quem faz parte ou convive com esse público bem sabe: jovens costumam, sim, se comunicar dessa forma, com gírias das mais variadas. 'Faz carão', 'capricha na selfie', e tantas outras falas mencionadas no anúncio, são frequentes na linguagem digital da juventude que inunda aplicativos de mensagens e plataformas de redes sociais. É o famoso “estilo lacração”, que parece ter sido exatamente o que incomodou.
A “olhos nus”, o principal garoto-propaganda da peça, inclusive, passaria despercebido. Poucos fora do contexto digital podem ter reconhecido ali a presença de Rafael Lange, conhecido como Cellbit, youtuber com mais de 6 milhões de inscritos em seu canal.
São alguns pequenos sinais que vão demonstrando a quem a peça publicitária pretendia alcançar e evidenciando o quão o seu veto foi inoportuno. Afinal, tal publicidade não alcançaria seu público? Se não, por quais motivos? Deporia contra a identidade construída pela marca do Banco do Brasil?
Ao que parece, o que causou espanto foi, justamente, o receio do “diferente”. O que está implícito na reprovação dessa peça publicitária é a tentativa de negar a diferença. O que é lamentável, pois, como ressalta Stuart Hall em seu clássico ‘Cultura e Representação’, a capacidade de viver com a diferença e a necessidade de reivindicar sua representatividade de forma positiva na mídia é um assunto premente do século XXI.
Sobre esse caso, é interessante ainda observar como o próprio mercado publicitário se aproveitou da ocasião e da mídia espontânea gerada a partir do equívoco do Governo Federal. O Banco Bradesco, por exemplo, lançou semanas depois uma campanha com a mesma tônica. Confira aqui. O Burger King Brasil também se posicionou, estampando em seus anúncios a chamada de elenco para seu novo comercial priorizando pessoas que tenham participado de um comercial de banco que tenha sido vetado e censurado nas últimas semanas. Confira aqui.
Em um contexto político de constantes disputas narrativas, é necessário entender que qualquer deslize pode - e será - utilizado em favor de alguém. Nesse caso, ganha o mercado, que fica recheado de pautas. Perde a representatividade.
Texto escrito por Thiago Toledo, mestrando em Comunicação no PPGCOM-UFMT, integrante do OPSlab.