No Festivalzinho, entre músicas, brincadeiras e famílias reunidas, o que se vê é um território marcado por estratégias de marketing infantil. Com patrocínios como Toddyinho, Chambinho, Poleguinho, Ana Maria e outras marcas voltadas ao público infantil, as experiências mesclam-se com as ativações comerciais. A presença das marcas não é apenas visual, ela é afetiva, sensorial, simbólica.
Pude vivenciar isso de maneira muito concreta. Em meio às experiências divertidas e de vínculo com meu filho de 3 anos (dançamos juntos, rimos e nos encantamos com a estrutura do festival), houve um momento que me atravessou de forma particular. Quando voltei do banheiro, ele desceu do colo do meu marido e veio ao meu encontro cheio de entusiasmo dizendo:
“Mamãe, você precisa ver! Tem um coração gigante com pernas!”.
Tratava-se do mascote do Chambinho, em uma ativação da marca pensada para gerar exatamente esse encantamento. Meu filho não tinha ideia que era uma ação publicitária. Ele só sabia que o boneco em formato de coração era fofo, divertido e que ele queria me mostrar naquele dia especial. O que está em jogo é exatamente essa naturalização da presença das marcas na vida das crianças. As crianças não só são persuadidas a consumirem o produto, mas também o associam ao afeto, ao riso, ao passeio com os pais, à música favorita. A publicidade atua de forma sutil, mas poderosa, ao ocupar o lugar da cultura, da memória, do vínculo.
A criança que entra nesse circuito de entretenimento não está apenas brincando ou se divertindo, está também sendo interpelada por marcas, por estilos de vida, por padrões de consumo muito bem desenhados. Aquilo que deveria ser um direito (o acesso à arte, ao brincar, à cidade) vem mediado por embalagens, mascotes, brindes e slogans. E tudo isso acontece em um espaço atravessado por barreiras de acesso. O Festivalzinho é um evento pago, com ingressos de valor elevado, pensado para um público com poder de consumo. A proposta de um “festival para famílias” não contempla todas as infâncias, na verdade, ela seleciona, delimita e exclui. Sendo assim, apenas determinadas crianças podem viver essas experiências, brincar nesse cenário encantado e, ao mesmo tempo, serem abordadas pelas marcas que ali se apresentam como parte natural da festa. No fim das contas, o que se vende não é apenas diversão, mas também um modelo específico de infância (e de consumo).
Diante dessa reflexão, e com a mente ainda tomada pelas memórias felizes dos shows do Festivalzinho, fica um questionamento pulsando por dentro: como criar espaços de encontro, arte e brincadeira com nossas crianças que não estejam subordinados à lógica do consumo? Imaginar (e reivindicar) essas outras possibilidades é também um exercício de resistência e de cuidado com as infâncias.
Texto escrito por Pâmela Craveiro, doutora em Comunicação, professora da UFMT e coordenadora do OPSlab.