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Emily em Paris: uma análise dos estereótipos e representações na série norte-americana

25 de junho de 2021

A série norte-americana Emily em Paris estreou na plataforma de streaming Netflix no ano de 2020. A série nos dá subsídios para apresentar e discutir conceitos que permeiam essa produção, como estereótipos, práticas de contestação e a propaganda politicamente incorreta, além de questionar a representação e a glamourização do profissional no mercado publicitário. Nela, a personagem Emily Cooper, uma jovem norte-americana que é mestre em Comunicação, trabalha em uma agência de publicidade em Chicago. Ela tem a oportunidade de trabalhar em Paris quando sua chefe engravida e se recusa a viajar. Emily então embarca para a Cidade Luz com a missão de levar uma visão americana para a agência parisiense, sem falar francês. Dentro desse contexto, a narrativa acompanha sua adaptação na capital francesa.

Logo no início da trama, é perceptível a quantidade de estereótipos e clichês que ela apresenta. De acordo com Francisco Leite (2008), estereótipos são ferramentas para sintetizar e categorizar mentalmente agrupamentos de pessoas. O autor diz ainda que, quando usados de forma negativa, têm o poder de perpetuar imagens pejorativas e nocivas. A série explora diversos estereótipos negativos tanto com os personagens franceses quanto com a protagonista americana. Simbolizando o estereótipo do estadunidense, Emily é workaholic (trabalhador compulsivo, em tradução literal). A personagem trabalha sem parar e em todo lugar, é sempre a primeira a chegar no escritório, é sempre antenada nos meios digitais e está sempre determinada a fazer com que todos gostem dela. E mesmo que haja em suas entrelinhas um tom de deboche quanto aos moldes de trabalho dos franceses, ainda assim, demonstra o “fanatismo estadunidense com o trabalho”.

Os franceses, em contrapartida, são a todo momento retratados como desatualizados, preguiçosos, anacrônicos e viciados em sexo, intensionando personificar a “velha Europa”. Vale ressaltar que a série reforça isso em todos os episódios, não são casos isolados, deixando evidente que aquela é a forma como os dois grupos são vistos.

Outro ponto a ser abordado nesta análise é a forma como a profissão de Emily é glamourizada. O estereótipo dos profissionais de publicidade e propaganda sempre contribuem, segundo Dôuglas Ferreira (2020), para manter expectativas em relação ao seu trabalho, reforçando mitos como a sofisticação, glamour e benefícios através de discursos de pessoas bem sucedidas na profissão e suas histórias de sucesso. Como produto midiático difundido para as massas através da plataforma, a série perpetua e reafirma todas essas características em vários momentos. Além de sua longa jornada de trabalho com as redes sociais, a personagem também se empenha a todo tempo para captar clientes para a agência, bem como resolver diversos outros problemas, para os quais ela sempre encontra soluções. Além de tudo isso, ainda consegue gerir um perfil de rede social próprio em que coloca suas impressões sobre a cidade e acontecimentos de seu dia a dia, e acaba se tornando uma influencer, sendo chamada, inclusive, para divulgar marcas. Em uma das cenas da série, Emily diz que gosta de trabalhar, pois se sente realizada e feliz, mesmo tendo que abdicar de diversas coisas. Essa romantização e caracterização de exploração da especialista em marketing piora ainda mais com o fato de sua chefe tratá-la mal a todo instante.

A representação do profissional de publicidade e da sua atuação no mercado de trabalho, não condiz com a realidade da maioria de quem vive cotidianamente essa atividade laboral. A planilha “Como é trabalhar aí?” reúne diversos relatos de profissionais de várias regiões do país que revelam as condições de trabalho das agências onde atuam. Esses relatos contribuem para a percepção de que essa representação na série é glamourizada.

É interessante analisar também o episódio três da série aqui apresentada que se intitula “Sexy ou sexista”. Nele, há a realização de um comercial para uma campanha de um perfume. O comercial começa com uma mulher nua que anda sobre uma das pontes mais famosas da cidade de Paris e é observada e desejada por diversos homens vestidos com roupas formais. Quando Emily intervém dizendo que aquilo poderia ser politicamente incorreto, sua chefe a repreende a chamando de puritana. A discussão acerca desse episódio específico é sobre o machismo trazido nele e na personagem da chefe de Emily, que se intitula mulher, mas não feminista. Além da objetificação do corpo da mulher, a conivência demonstrada na ocasião nos dá a impressão de que a sociedade francesa é machista, indo contra movimentos de mulheres contra o assédio sexual e a cultura do estupro que vem crescendo na França, como a hashtag #BalanceTonPorc (exponha seu porco, em português), a versão francesa da #MeToo.

A repercussão negativa e rejeição da série foi muito grande entre os franceses, que fizeram várias críticas e ataques à imagem errada que foi passada. A trama foi julgada como deplorável, os clichês usados passaram dos limites e caracterizam, na verdade, uma versão hollywoodiana de Paris. Estas práticas de contestação se deram pela internet, em sua maioria pela sociedade no geral e em parte por críticos de cinema. Em suma, pudemos analisar alguns dos aspectos abordados na narrativa de forma errônea e estereotipada. Percebemos também os estereótipos trabalhados de forma pejorativa, a relação de trabalho glamourizada da personagem e as reações que o público teve em relação a como foi feita essa representação. Isso reafirma preconceitos em relação a uma cultura, cidade ou nacionalidade, e mesmo que representados de forma ficcional, podem ser perpetuados.


Texto escrito por Mylena Leite, graduanda em Comunicação Social pela UFMT, integrante do OPSlab.


Referências:

FERREIRA, Dôuglas Aparecido. Tensões entre o imaginário da publicidade e as representações da profissão feitas por trabalhadores de agências de Belo Horizonte-MG. Contracampo, Niterói, v. 39, n. 3, p. XXX-YYY, dez./mar. 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/contracampo/article/view/38763/pdf

LEITE, F. A propaganda contraintuitiva e a politicamente correta. Comunicologia (Brasília), v. 4, p. 129-146, 2008. Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/RCEUCB/article/view/868

OLIVEIRA-CRUZ, M. Publicidade e desigualdade: leituras sobre gênero, classe e trabalho feminino. Porto Alegre: Sulina, 2018.

Representatividade x Representação: entenda a diferença e a importância. Disponível em: https://push.com.br/post/representatividade-x-representacao-entenda-a-diferenca-e-a-importancia#:~:text=Claro%20que%20ocupar%20todos%20os,a%20decis%C3%A3o%2C%20isso%20%C3%A9%20representatividade.

WOTTRICH, Laura. “Não podemos deixar passar”: práticas de contestação da publicidade no início do século XXI. Tese (Doutorado em Comunicação e Informação) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação/UFRGS, Porto Alegre, 2017. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/159339/001023542.pdf?sequence=1&isAllowed=y